Sistema de concessão centralizador – A política no Rádio londrinense

Porém, nem só de radialistas candidatos a cargos institucionais é constituída a estreita ligação do rádio com a política no País. Ao contrário, há nela uma característica menos visível é ainda mais forte e importante. Ela foi construída com base no sistema antidemocrático e centralizador de distribuição das concessões de emissoras, que vigorou no Brasil por mais de seis décadas e ainda mantém em vigência alguns resquícios, apesar do pequeno avanço conquistado pela atual Constituição, de 1988.

O rádio foi inaugurado oficialmente no País em 7 de setembro de 1922, como parte dos festejos do Centenário da Independência. Os primeiros equipamentos transmissores – montados no alto do Corcovado – e os 80 aparelhos receptores funcionaram no Rio de Janeiro, como presentes da Casa Branca e de uma indústria dos Estados Unidos ao governo do presidente Epitácio Pessoa. De lá para cá, nestes quase 85 anos de funcionamento, o complexo de emissoras radiofônicas sempre esteve – salvo raras exceções e em curtos intervalos de tempo – a serviço dos interesses do Estado e da produção, manutenção e reprodução da ideologia capitalista.

Muito mais do que aos radialistas e à população, o complexo radiofônico serviu neste longo período – por meio de sua programação e conteúdos de baixa qualidade e sem objetivos educacionais para a cidadania – à elite político-econômica que controlou o Estado autoritário, conservador, golpista e privatista.

Ao longo das primeiras décadas de operação, o rádio foi sendo transformado em um “palanque eletrônico´´ em substituição aos antigos currais eleitorais, ao coronelismo e ao voto de cabresto5. Esta forma centralizadora de utilizar o principal meio de comunicação de massa então disponível se consolidou durante o Estado Novo (1930-45) de Getúlio Vargas e, mais tarde, ganhou força outra vez na ditadura militar em vigor de 1964 a 85. Notadamente a partir dos anos 70, o rádio perdeu muito das verbas publicitárias e teve que dividir seu público com o complexo de emissoras de TV.

Mesmo assim, até o final do século XX o rádio manteve-se como o MCM com maior poder de abrangência nacional e de presença domiciliar no Brasil.

Devido este poder de alcance e papel estratégico num País populoso, extenso e subdesenvolvido, o rádio sempre foi mantido atrelado ao Estado; e seu sistema de concessões de emissoras permaneceu sob domínio exclusivo do presidente da República, por meio do Ministério das Comunicações. Desta forma, o conjunto de emissoras espalhadas pelo território brasileiro foi sendo montado com base nos interesses ideológico-político-econômicos da elite controladora do Executivo nacional, no século passado.

Em junho de 2000, estavam em operação no País 3.315 emissoras comerciais. Em Londrina, já funcionavam as mesmas 15 emissoras de hoje, sendo dez de AM e cinco de freqüência modulada (FM). O cruzamento de dados do Ministério das Comunicações, da Justiça Eleitoral e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) demonstrou que a base aliada do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) controlava, naquele momento, 73,75% das concessões da radiodifusão brasileira.

Exatamente 1.220 emissoras (37,5%) estavam em mãos de políticos do PFL. Os membros do PMDB contavam com 17,5% das emissoras. Em terceiro lugar, vinham os políticos do PPB, com 12,5% das rádios. Na seqüência, os membros do PSDB que mantinham 6,25%. Políticos ligados ao PSB – partido teoricamente do bloco de oposição – possuíam igualmente 6,25% das emissoras; enquanto que membros de outros partidos detinham 5% das concessões. Isto significa dizer que 85% do sistema de radiodifusão estavam sob o comando de políticos; enquanto que apenas 6,5% dele eram explorados por empresários do setor sem ligações formais com partidos e o poder político institucional. Outros 6% estavam em poder de igrejas – com destaque para a 5 Para aprofundar o entendimento sobre o autoritarismo e fraudes no sistema eleitoral brasileiro, é importante a leitura do livro “Coronelismo: enxata e voto´´, de Victor Nunes Leal.

Católica e, mais recentemente, algumas protestantes – e os restantes 2,5% eram formados por emissoras estatais-educativas. Em Londrina, 5 emissoras (33,33%) “pertenciam´´ a igrejas; outras 5 (33,33%) estavam sob domínio de empresários do setor; 4 (26,67%) estavam sob o mando de famílias de ex-políticos do PMDB, PFL e PPB; e uma (6,67%) tinha caráter públicoeducativa, a Universidade FM da UEL. Esta realidade local não mudou nos últimos
anos.

Recentes “distribuições´´ de concessões para funcionamento de emissoras de rádio – em 2001 e 2002, em quase todos os estados brasileiros – demonstraram que o critério do “compadrismo´´ político ainda prevalecia no setor; às vésperas de importantes eleições majoritárias nacionais. O Ministério das Comunicações foi generoso na aprovação de novas concessões aos aliados da base de sustentação do governo tucano e implacável na negativa aos requerimentos de políticos ligados a partidos oposicionistas e de instituições não alinhadas ao poder de Brasília, como centrais de trabalhadores.

Isto porque, 80 anos depois de sua inauguração, o sistema radiofônico e seus negócios – aí incluída a divisão das verbas publicitárias públicas – seguiam baseados na velha política do “é dando que se recebe´´, da troca de interesses entre o Estado e a elite nacional; que tanto mal têm causado à maioria da população brasileira, sem direito aos benefícios sócio-econômico-políticos que teriam em uma nação civilizada. Assim, o rádio continua, no geral, como um atuante e destacado instrumento conservador de dominação político-ideológica.

A expectativa é de que profundas mudanças neste setor vital à verdadeira democratização do País – que vai muito além de eleições periódicas e sem dúvida passa pelo tipo de controle dos MCM – sejam realizadas pelo pelos poderes federais. Um bom começo se daria por meio de regras legais que colocassem fim a monopólios familiares e políticos no setor da radiodifusão, e que possibilitassem concessões ao funcionamento das emissoras verdadeiramente comunitárias – muitas delas hoje tratadas como “piratas´´ e ilegais.

Importante passo para que isto ocorra é o cumprimento do artigo da Constituição que criou o Conselho Nacional de Comunicação Social, e prossegue quase que somente letra morta no papel perto de 20 anos depois de sua aprovação em Brasília. Com ele em prática, algumas alterações na lei de concessão de emissoras, e comportamento ético do Executivo – diferentemente do que predominou nas últimas décadas – certamente estariam dadas as condições para que a população (aí incluídos os mais de 120 milhões Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação V Congresso Nacional de História da Mídia – São Paulo – 31 maio a 02 de junho de 2007 de eleitores) começasse a trocar seu papel de simples coadjuvante na incipiente democracia representativa pelo de participante ativo rumo à plena cidadania.

Continuação do trabalho “Uma História Política do Rádio – a Aventura Eleitoral de Radialistas no Século XX em Londrina (PR) (1), por Osmani Ferreira da Costa, professor de Comunicação / Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL) (2).

(1) Trabalho apresentado ao GT 5 – História da Mídia Sonora, do V Congresso Nacional de História da Mídia.

(2) O autor é professor assistente do Departamento de Comunicação, curso de Jornalismo, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. Bacharel em Comunicação/Jornalismo e Mestre em Ciências Sociais, ele é docente da UEL há 20 anos, onde participa de projetos de pesquisa e ministra aulas nas subáreas de jornalismo impresso e radiojornalismo. Com base em dissertação de mestrado, Costa publicou o livro “Rádio e Política´´, pela Eduel, em 2005.

(Continua)

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